terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Criança ouve Cartola

Você sabe quantas vezes Cartola já te fez chorar? Lembra-se quantas dessas tinha a ver com o fato de você nunca saber onde devia estar? O que devia deixar, levar, o que era para ser e o que abandonar.
Sabe quantas vezes esperou pelo olhar certo, a palavra na hora precisa, o carinho ainda que na contra-mão,  a defesa ainda que encrustada na garganta? Sabe, garotinha, quantas vezes as bocas se abriram sem saber que existem por aí tantas palavras bonitas esperando para serem ditas? 
Você nem sabe quantas vezes deixou de dizê-las.
Se existisse um jeito de tudo ser fácil, e ser só a gente viver, e ir vivendo, e sorrindo e amando, e amar como se tudo fosse a última gota, como se a última gota fosse sempre a próxima, e essa próxima nunca se acabasse, então, você saberia dizer sempre a coisa certa?
E o que é que você sabe, meu doce? O que é que você descobriu sobre a vida e o que ela tem para você? Será que sabe que o mundo nunca será o jardim de flores e amores com que sonhou? Será que compreende que nenhum amor é o certo e nenhuma palavra é a que você precisa? Aquela que vai te fazer segurar mais um pouco o aperto no peito e acreditar que de algum jeito tudo vai dar certo.
Por isso, meu bem, é que tu odeia os finais felizes, por isso é que não sabe falar de beleza, de tempo bom, e até tua praia é nostalgia e a vontade de chorar no fim do dia, é a tristeza de sentar e ver lá na frente que tudo é tão maior que você, a tristeza de sonhar com os castelos de areia desta praia e vê-los destruídos pelo vento, como todos os sonhos que se atreveu a sonhar.
E assim te tornas uma tola criança, dessas que choram com Cartola, que amam como Vinicius, todos os dias, sem medo e sem limites, dessas, que sonham e se trancam em seus livros onde existem as palavras certas que não se encontram em bocas por aí, e fica parada diante das janelas, de portas fechadas, de desencontros e tristes desenlaces. Mas sabe, doce e ainda inocente criança, existem lugares onde as pessoas ainda dançam, onde o samba é só o que vem do lado esquerdo de nosso peito como um grande impulso que faz a roda girar e a gente cantar, como se a música fosse a última, e cada nota teu último suspiro aliviado, e este suspiro o que faz o dia raiar, e você pulsar, e continuar vivendo, e amando,e acreditando que existe a palavra bonita, o olhar certo na hora precisa, e alguém capaz de tê-los.