E o medo acabou. O que será de minha coragem? O que será de mim, meu Deus, tão feliz? O que sou eu feliz?
Sabe lá quantos desertos ainda hei de atravessar, quantos passos, quantas histórias, quantos encontros, não importa, é que pela primeira vez, eu não quero saber como tudo vai terminar. Então, brindemos ao nosso novo começo, a nossa nova esperança, a vida que espera por nós. É tudo que temos, mais um raiar.
Lembro-me por instantes das estradas de terra de Itaipu, a mangueira cheia no quintal da casa, eu, criança, doce, leve, alegre... Nenhum dia jamais se repete. Que triste destino este de nunca mais comer as frutas da casa de Itaipu, de nunca mais ver os olhos castanhos de minha cadela. E como dói admitir que por vezes a vida faz de nós o que quer, nos tira do lugar certo de outrora, nos coloca onde bem entende.
Eu vivi muitas vidas, todas elas imaginando a próxima e nunca esquecendo o passado, sabendo sempre que nem todos os caminhos nos levam à lugares bonitos, nem todas as orlas terminam em São Francisco à noitinha. Nem todo sol se põe atrás do pão de açúcar e nem sempre comigo sentada em Icaraí. Ainda não descobri também, que encanto tem este lugar que me prende, ou que magia me faz saber que existe um lugar melhor, ou uma Catarina melhor. Porque, Catarina, sem nome, sem estrada, recriada, mal criada, toda errada, eu fui sim, tudo isto que as pessoas dizem que é errado ser.
Toda vida que não pode ser vivida em uma só, eu vivi dentro de instantes. Dentro e fora de mim, por onde os caminhos me perdem, por onde as palavras aos montes me soam tristes, por onde todas as verdades são mentiras e todo amor é só poesia; por onde a solidão é que é real. E eu uma atriz, que só fiz representar e me reinventar sobre a dor e o desastre de ser cada um fora de mim, eu me fiz da amargura de alguém. Meu rosto eu não conheci, meu corpo foi todo um disfarce, e eu de brinquedo.
Uma grande loucura, não sei onde moro, ou de quê são feitos meus sonhos de lar. Não sei quantas casas habitei, quantas pessoas eu levei comigo por um caminho tortuoso, e foi o perigo de finalmente me encontrar que me perdeu de vez. Não, não foi ninguém além de mim. Do rosto que temi ver. Não, ninguém jamais me feriu como eu, ninguém foi tão cruel, ninguém entendeu o meu desejo de ser só o que eu queria, e viver todas as vidas que sonhei, como se cada dia despertasse um novo sol. Não, ninguém me disse que eu era boa, só eu. E ninguém falou as bobagens bonitas que eu gosto de ouvir. Não, não fui só eu que soube de mim, tem também aqueles que disseram que eu seria sempre infeliz.
Pois eis que aqui estou, cara plateia, redescoberta, redesenhada, toda pintada de azul, toda perdida de amor, toda encontrada, tão cheia de mim. Eu sou só mais uma noite clara que venta demais, um último pôr do sol, uma lágrima desesperada, eu sou inteira em cada coisa que vivo ou sinto, em tudo que vejo, em tudo que amo, e amo como um novo sol, todos os dias.