A pessoa que eu sonhei ser está perdida, às vezes tão distante de
quem me tornei, às vezes sou apenas eu, que não me enxergo mais.
Denominar-me um
desastre natural se tornou a brincadeira mais séria de minha vida, não é um
pedido de desculpa, nunca foi uma desculpa, jamais soube dizer a mim mesma que
tudo isto está errado, que ser um grande desastre quase sempre, não pode estar
certo.
Ainda que passe o
tempo eu espero acordar deste pesadelo cheio de agonia. Agonia de não ser a
mulher que sonhei; agonia de não querer nada além de um colo; agonia de não
poder mais me olhar no espelho sem procurar o disfarce perfeito; agonia de já
não poder escrever, de não ter o que dizer.
Será que a alegria
da gente é sempre uma grande ilusão? Será que não haverá o mínimo suspiro
aliviado? Será que no caminho não há nada ou ninguém capaz de me tirar deste
inferno? Notei, logo após a última lágrima cair, que voltei a usar as palavras
como há tempos não usava, que finalmente volto a dizer apenas o que sinto. Tomo-me
em devaneios.
Ando adiando tudo
o que tem que ser vivido, dizendo que não sinto saudade, fingindo que tudo é
tão adequado, repetindo que quando tiver tempo eu vou viver, e agora, não sei o
que fazer comigo, não sei para onde devo ir ou como faço para consertar tudo
quebrado em mim. E talvez amanhã quando o sol sair, eu aceite que não sou
capaz de fazer tudo certo, que todo este conflito faz parte de mim, que talvez
eu seja mesmo assim, naturalmente desastrada, um desastre natural, e esteja só esperando
que alguém olhe bem dentro de mim e me mostre o caminho certo quando as coisas
fogem ao meu controle.
Queria saber como
é me sentir a salvo. Como é não perder tanto tempo com teorias de como a vida
deve ser, de como eu tenho que ser. Porque de todos os meus incontáveis
defeitos e falhas, o maior deles é ser infeliz a maior parte do tempo, enquanto
repito, incansável e constante, que "está tudo bem", enquanto respiro
por outras pessoas e me apego em outras histórias com este medo horrível de
voltar a sentir dor.
Pois então, acho
que aconteceu de novo, estou aqui, no mais profundo dentro de mim, no lugar
mais escuro e vazio que poderia imaginar, não me forcei a chorar e nem é
difícil escrever daqui de dentro, tudo flui com uma naturalidade incrível,
então, será que finalmente estou me permitindo sentir dor? Será que é este o
meu modo de pedir socorro? Será que de algum modo isto pode ser bom? Será que milagrosamente,
alguma coisa começou a fazer sentido dentro de mim quando me encontrei
completamente nua e sem disfarces? Ouvi um suspiro fugaz, então fechei os
olhos e de repente eu me vi sem reservas, como um bicho, puro instinto, eu fui
indo e indo, e então cheguei aqui, onde as flores estão mortas e caídas pelo
chão, onde as pedras nos impedem de andar, onde a escuridão não termina, onde
só existem palavras, as palavras mais tristes de que me recordo, e toda a
confusão do lado de fora já não me perturba, me tenho inteira.
Volto a voar na
escuridão, sinto que por um tempo ainda será tudo o que tenho, sinto que
começar de novo se tornou a minha maior lição, e depois de ter lutado tanto
para aprender a voltar atrás, tenho apenas um novo desafio. Existe uma ferida
aberta e tantas cicatrizes, mas não faz mal, quando se vive como eu é difícil
terminar o dia sem um arranhão, é difícil não despertar os piores olhares das
pessoas e às vezes suas piores dimensões.
Daqui de dentro
entendi que tenho me condenado por ser o que sou, me chamo um grande desastre,
sou um enorme perigo e as pessoas não saem ilesas ao meu lado, porém, ainda
assim, algo insiste em bater numa tecla, este algo me diz que a bondade é mesmo
a única coisa que nos salva no final do dia, que nos permite algum sossego, e é
ela que há de me salvar.
Sei que vou
descobrir de novo que não há nada que preencha os meus espaços vazios, sei que
então vou tropeçar novamente, dizer ou fazer a coisa errada pensando por algum
estúpido mecanismo de defesa, e vou ter que levantar mais uma vez sozinha. Sei
que vou acordar e lembrar que já não sei onde estou, então vou repetir que não
posso mais, que sou fraca e incapaz de viver com o que me fere, sei que vou
fugir enquanto puder. Novamente vou abrir a janela e chorar até cansar,
implorando, sei lá para quem, que me tire daqui, que me ensine a ser melhor,
porque ser sempre um desastre me tem destruído por completo. Então vou deitar
em minha cama quente e fingir que a noite pode durar para sempre, que eu nunca
mais vou ter que acordar.
Por hoje, me resta
acreditar que quando o sol raiar mais uma vez, o ar que me roubaram vai voltar
aos poucos, e todo o açúcar do mundo vai adoçar meu novo dia, que por aí, em
algum lugar, estão as respostas que procuro, e como a vida é repleta de
encontros felizes, em alguma esquina eu vou dar de cara com a minha melhor
dimensão, então todos os terríveis enganos, os mais torpes juízos e os erros,
destes imperdoáveis, ao menos farão sentido, e talvez, com sorte, parem de
doer.
Boa noite.