quinta-feira, 25 de outubro de 2012

O mundo é um muro de tijolinhos coloridos

Comecei uma carta para mim, pode parecer estranho, mas me habituei a escrever cartas, e quando não tenho a quem dedica-las, escrevo em meu nome. Escrever é o que faço de mais feliz, e as cartas são ainda mais que isso, são pessoais, difíceis e são toda a minha verdade. Da carta surgiu este texto e a minha mais nova e profunda vontade de recomeçar.

Estou tentando a força de que preciso; estou observando do lado de fora de mim, procurando enxergar cada dimensão... Estou usando um perfume de minha tia que usei por muito tempo, num outro tempo, diferente. Quando sinto este cheiro me lembro de outra pessoa, uma menina, antes de alguma relação difícil que tenha mudado sua vida. Lembro-me do seu olhar inocente e jeito doce de ver as coisas da vida, lembro-me dela se arrumando para o colégio novo e o cheiro era este em seu uniforme. Os dias foram indo e a gente só sabe como um tempo foi bom quando ele passa por completo e as coisas ficam tão diferentes... Sinto falta de mim, da menina que se sabia inteira, que não tinha medo de se mostrar, que não sentia culpa por ser quem é, que, talvez, com quinze anos soubesse mais do que eu agora. O cheiro dela está de novo em mim, e sem querer, quando senti, todos aqueles dias voltaram, e num arroubo eu chorei, num momento meu comigo mesma. 
Num outro instante percebi que toda liberdade que tive quando o tempo da escola passou, terminou me levando ao lugar errado, eu me tranquei e dormi por tempo demais, bebi coisas demais, até descobrir que a pior parte da ressaca não é a dor de cabeça. Comecei a me sentir em cacos quando voltava de algum lugar de manhã sozinha, era só eu, a maquiagem borrada e os tênis que já estavam gastos de tanto andar por aí, me machucando os pés ao descer a rua de minha casa. Eu não sabia quem era eu, só tinha certeza de que ficava cada dia mais insuportável a ideia de me ver tão sozinha, quando eu queria tanto um colo, um abraço antes que eu dormisse, alguém que ainda me achasse linda depois de tudo.
De repente eu apenas parei, juntei minhas coisas e saí, de fora eu vi minha vida inteira a se perder, eu só me encontrei longe daqui, e não foi difícil perceber que eu só seria linda todos os dias se eu soubesse disso todos os dias, ninguém mais faria um trabalho meu. 
Tudo que procurava em outras pessoas encontrei em mim: estimulo para conhecer o que não conheço, vontade de viver e ver o mundo e a força que me é natural. Eu só encontrei quando me enxerguei de novo, e ninguém me fez sentir isso, só eu pude fazer por mim. 
Então eu perdi o foco, todas as coisas externas me perturbaram; passei por chuvas que nunca cessavam; descobri a raiz do caos e o vivi até a última gota. Se há uma forma de explicar tudo isso, eu não sei se é esta, mas é como a gente se fazer mal todos os dias, desejando fazer o bem. É como ferir com próprias mãos todas as coisas que mais se ama e nunca poder voltar atrás. Mas estou aqui, e tenho me desafiado todos os dias a ser melhor, é um processo violento, quando ao me olhar eu encontro todas as coisas que quis esquecer, que escondi de mim mesma numa tentativa vã de me proteger. Agora lembrei que alguns dos meus pesadelos simplesmente passaram, não sei exatamente quando aconteceu, mas eu esqueci, e isso me faz acreditar que tudo termina, de um jeito ou de outro, alguma hora os tormentos deixam de insistir se nós não os alimentamos, assim a gente aprende a viver sabendo que a vida é um dia depois de outro e que nada é eterno e tudo é mutável, inclusive nós. 
A carta tem fim quando eu digo a mim mesma: Vamos lá, Corah, ser quem você escolheu, quem quiser ser para ser o melhor, vamos fazer com que tudo valha a pena. Mais uma vez. 

"De que são feitos os dias? 
-De pequenos desejos,
Vagarosas saudades,
Silenciosas lembranças...
Dentro deles vivemos, 
Dentro deles choramos,
Em duros desenlaces
E em sinistras alianças"

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