Estou tentando a
força de que preciso; estou observando do lado de fora de mim, procurando
enxergar cada dimensão... Estou usando um perfume de minha tia que usei por
muito tempo, num outro tempo, diferente. Quando sinto este cheiro me lembro de outra
pessoa, uma menina, antes de alguma relação difícil que tenha mudado sua vida. Lembro-me
do seu olhar inocente e jeito doce de ver as coisas da vida, lembro-me dela se
arrumando para o colégio novo e o cheiro era este em seu uniforme. Os dias foram indo e a gente só sabe como um tempo foi bom quando ele passa por
completo e as coisas ficam tão diferentes... Sinto falta de mim, da menina que
se sabia inteira, que não tinha medo de se mostrar, que não sentia culpa por
ser quem é, que, talvez, com quinze anos soubesse mais do que eu agora. O
cheiro dela está de novo em mim, e sem querer, quando senti, todos aqueles dias
voltaram, e num arroubo eu chorei, num momento meu comigo mesma.
Num outro instante percebi que toda liberdade que tive quando o tempo da escola passou, terminou
me levando ao lugar errado, eu me tranquei e dormi por tempo demais, bebi
coisas demais, até descobrir que a pior parte da ressaca não é a dor de cabeça. Comecei a me sentir em cacos quando voltava de algum
lugar de manhã sozinha, era só eu, a maquiagem borrada e os tênis que já
estavam gastos de tanto andar por aí, me machucando os pés ao descer a rua de
minha casa. Eu não sabia quem era eu, só tinha certeza de que ficava cada dia
mais insuportável a ideia de me ver tão sozinha, quando eu queria tanto um
colo, um abraço antes que eu dormisse, alguém que ainda me achasse linda depois
de tudo.
De repente eu
apenas parei, juntei minhas coisas e saí, de fora eu vi minha vida inteira a se
perder, eu só me encontrei longe daqui, e não foi difícil perceber que eu só
seria linda todos os dias se eu soubesse disso todos os dias, ninguém mais
faria um trabalho meu.
Tudo que procurava
em outras pessoas encontrei em mim: estimulo para conhecer o que não conheço,
vontade de viver e ver o mundo e a força que me é natural. Eu só encontrei
quando me enxerguei de novo, e ninguém me fez sentir isso, só eu pude fazer por
mim.
Então eu perdi o foco, todas as coisas externas me perturbaram; passei por
chuvas que nunca cessavam; descobri a raiz do caos e o vivi até a última gota.
Se há uma forma de explicar tudo isso, eu não sei se é esta, mas é como a gente
se fazer mal todos os dias, desejando fazer o bem. É como ferir com próprias mãos todas as coisas que mais se ama e nunca poder voltar atrás. Mas estou aqui, e tenho me desafiado todos os dias a ser melhor, é um processo violento, quando
ao me olhar eu encontro todas as coisas que quis esquecer, que escondi de mim
mesma numa tentativa vã de me proteger. Agora lembrei que alguns dos meus
pesadelos simplesmente passaram, não sei exatamente quando aconteceu, mas eu
esqueci, e isso me faz acreditar que tudo termina, de um jeito ou de outro,
alguma hora os tormentos deixam de insistir se nós não os alimentamos, assim a
gente aprende a viver sabendo que a vida é um dia depois de outro e que nada é
eterno e tudo é mutável, inclusive nós.
A carta tem fim
quando eu digo a mim mesma: Vamos lá, Corah, ser quem você escolheu, quem
quiser ser para ser o melhor, vamos fazer com que tudo valha a pena. Mais uma
vez.
"De que são
feitos os dias?
-De pequenos
desejos,
Vagarosas
saudades,
Silenciosas
lembranças...
Dentro deles
vivemos,
Dentro deles
choramos,
Em duros
desenlaces
E em sinistras
alianças"
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